Como
em todos os outros dias, Ana se levantou, entrou embaixo do chuveiro, lavou
seus cabelos, colocou uma roupa, comeu algo e foi pra escola. Quando chegou em
casa, abriu seu MSN. Um convite novo. 'Aceite', pensou ela. Foi por sua
intuição, sempre ia. Era um garoto, chamado Bruno. Os dois começaram a
conversar. Com o tempo descobriram que
gostavam das mesmas bandas, das mesmas comidas, do mesmo tudo. Tinha quase tudo
em comum, exceto uma coisa: a cidade. O garoto morava em Londres. A garota, em Bolton,
uma pequena cidade ao sul da Inglaterra. Eles começaram a conversar mais e
mais. Cada dia mais, cada vez mais. A mãe de Ana achou que estava viciada em
internet, o que realmente estava. Ela estava certa, Ana não podia contrariá-la.
A garota era apenas muito preocupada com seu futuro, não deixava de fazer
lições de casa para entrar no computador. Mas assim que acabava, ligava logo o
aparelho. Era também o caso de Bruno . O
garoto sempre que chegava da escola deixava o computador ligado, com o Messenger
aberto. Desligava a tela do computador, e fazia a lição. Sempre tinha pouca,
então ficava esperando Ana, até 6 da tarde, que era quando a garota entrava,
mais ou menos. Os dois começaram a
conversar aos 17 anos, e foi assim. No começo dos 18 anos, aconteceu a coisa
mais esperada pras amigas de Ana (sim, porque as amigas sabiam de tudo, e
esperavam há cerca de 9 meses algo acontecer): Bruno a pediu em namoro. E
foi assim, se conheceram por um computador, namoravam por um computador. O que os dois tinham era
maravilhoso. Uma coisa que as amigas de Ana jamais
haviam experimentado, ou ouvido falar. Nem mesmo na ‘vida real’. Eles confiavam
um no outro mais que qualquer casal que todas as amigas de Ana já tinham visto,
ou ouvido falar. Isso requer, realmente, muita confiança. E eles se amavam.
Quando as amigas de Ana passavam o dia na casa da garota, elas viam a conversa.
Elas conseguiam sentir o amor. Eles estavam completamente e
irrevogavelmente apaixonados.Não havia nada que mudaria aquilo. O
tempo passou, os dois ficavam mais apaixonados a cada dia (o que ia
totalmente contra as idéias de Marcela, amiga de Ana. A garota pensava que a
cada dia que se passasse, a tendência era o amor se esvair. Eles provaram que
estava errada). Todo dia de manhã, na hora da aula dos dois, Bruno ligava para
a garota. A acordava, para começarem o dia com a voz um do outro. Um dia o
garoto apareceu com a boa notícia: ele conseguiria ir para Bolton. Passaria um
dia lá, pois viajaria.
Eles se encontraram à noite, em
frente à ex-escola de Ana. Ela conversou com o garoto. Ana não quis beijá-lo.
- Vou ficar dependente de você. Sei
que você é uma droga pra mim, é viciante. Então se eu te beijar hoje, não vou
conseguir ficar mais um minuto longe de você. A gente vai se reencontrar. E ai,
vamos ficar juntos pra sempre.
Ela
disse e o abraçou. Com mais força do que já abraçou outra pessoa. E o garoto se
contentou em encostá-la. Ele sabia que o que Ana estava falando era verdade.
Eles IRIAM se encontrar. E IRIAM passar o resto da vida juntos. Ele
tinha certeza que ela era o amor da vida dele. Bom, agora a ‘maldita inclusão
digital’ se transformou na melhor maldita inclusão digital. O tempo passou rápido quando eles estavam juntos. Se
divertiram muito, e Bruno gostou da simpática cidade da sua namorada. Ele foi
embora no dia seguinte, cedo demais para conseguirem se despedir.
O tempo passou, e o amor dos dois só ia
aumentando. Passaram-se 6 meses desde que Ana tinha conhecido seu namorado
pessoalmente, e Marcela ainda não entendia por que eles não tinham se beijado.
- Any, você já parou pra pensar que pode ter sido
uma chance única?! Você foi idiota, você sabe disso, né? – A garota dizia,
sempre culpando Ana.
Mas ela sabia o que era melhor pra ela. Já tinha
cansado de explicar para Marcela. Não explicaria mais uma vez. Haviam 9 meses
que os dois namoravam, e um ano que seconheciam. Eles se amavam muito, mais que qualquer pessoa que as
amigas e amigos do casal já tinha visto. Um dia, Bruno apareceu com a notícia:
ele conseguiu uma bolsa em uma faculdade em Bolton, e se mudaria para a cidade
tão desejada.
Ana se chocou com isso. Por semanas se perguntou
se sacrificaria o tanto que o garoto iria sacrificar por ele. Mas ela não era a
maior fã de pensamento. Isso a fez mal.
- Any, deixa de ser besta. Você o ama, até eu
posso perceber isso! E você sabe, eu não sou a pessoa mais esperta do mundo. –
Marcela disse, encorajando a amiga.
- Eu sei, Marcela, mas... Ele tá desistindo da
vida toda dele em LONDRES pra vir pra BOLTON! Por mim! – Ana disse – E pela
bolsa que ele ganhou na faculdade, mas é mais por mim, ele me disse.
- Ana, presta atenção. – Ana olhou pra amiga. –
Você não sabe quantas meninas invejam você. Não sabem mesmo. Eu, por exemplo,
te invejo demais. Daria qualquer coisa pra ter um namorado como o seu. Vocês
confiam tanto um no outro, e se amam tanto. Eu tenho até nojo de ficar no
quarto com você quando você ta conversando com ele. É um amor que se espalha no
ar, que nossa senhora! Eu consigo sentir os coraçõezinhos explodindo pelo
quarto. Ai fica tudo rosa, e você fica com uma cara de sonho realizado pro
computador! Any, pára de subestimar o que você tem. Deixa de ser idiota.
-
Você é um amor, sabia? Marcela, não sei. Não dá. Eu não desistiria de tanto por
ele, e eu acho injusto ele desistir de tanto por mim. Marcela
bufou. Porque a amiga tinha que ser tão burra? Meses
se passaram, o tempo passava rápido. Ana não terminaria o namoro por messenger,
frio demais. Ela esperaria o namorado chegar.
A garota tentava adiar o máximo possível, por mais
que quisesse ver o garoto de novo. Ele tinha um cabelo lindo, e olhos mais
ainda. Ana conseguiria ser invejada por todas as garotas da cidade se fosse
vista com ele. Mas ela não queria inveja. Queria seguir
o seu coração. Quanto mais Ana queria adiar a situação, mais as horas
corriam, e com elas os dias, as semanas, as quinzenas, os meses. O ano.
Chegou o dia; Ana esperou o seu futuro-ex-namorado
onde se encontraram meses atrás. Ela negou o beijo mais uma vez. O namorado ficou sem
entender, mas aceitou.
- Olha, eu tenho que conversar com você.
- Diga. – Bruno sorriu.
- Olha, eu tenho que conversar com
você.
- Diga. – Bruno sorriu.
- Quando você me disse ‘Vou me mudar pra Bolton’,
eu fiquei feliz. Mais feliz que já fiquei há muito tempo. Mas depois eu comecei
a pensar se faria o que você ta fazendo por mim. Você desistiu de toda sua vida
em Londres, Bruno.
- Eu sei. Pelo melhor motivo na face da Terra.
-
Não, não é. Eu sinto que eu não to sendo justa com você. E sem ser justa com
você, eu não sou justa comigo. Eu não sei se eu faria o que você fez. Eu acho
que não. Eu sou egoísta demais, eu não sei. Não quero mais ser injusta com
ninguém, não quero dormir pensando isso. Há meses eu penso nisso, e fico com
peso na consciência. E, de verdade, eu não sei se seu amor é o suficiente pra
mim. – A garota disse e virou as costas. Foi
andando para a sua casa. E ao contrario de momentos tristes clichês (a eu odeio
clichês), não estava chovendo. O céu estava azul, o sol brilhava, como
raramente acontecia em Bolton. Mas o que estava dentro de Bruno (e de Ana) não
era assim tão brilhante. Para Ana chegar em casa, tinha de passar pela frente da casa de
Marcela – era esse o motivo de uma sempre estar na casa da outra; elas moravam
lado a lado. A garota passou correndo, chorando, enquanto Marcela estava na
janela. Marcela saiu correndo de casa – ignorando completamente o estado
critico em que se encontrava: blusa dos ursinhos carinhosos, cabelo preso em um rabo-de-cavalo mal ajeitado,
short curto de florzinhas e pantufas do tigrão – indo logo para a casa da
amiga. Ela bateu a campainha, e a mãe da amiga atendeu. Disse que podia subir
as escadas, Ana estava em seu quarto. Marcela subiu correndo, tropeçou, quase caiu
3 (lê-se
sem sangue escorrendo pela cara).
- Any! O que foi, amor? – A garota encontrou a
amiga deitada, chorando em sua cama.
- O Bruno! – Ana não conseguia falar direito. Por
essa mini-frase Marcela tinha entendido.Não tinha mais Ana e Bruno pra
sempre e sempre e sempre e sempre. Agora era Ana. A garota aprendeu a viver com a dor. Passaram-se 5 anos,
Bruno estava formado em direito, era um advogado de sucesso, ainda morando em
Bolton – nunca largaria a cidade que abrigava seu, ainda, maior amor. Ana era
uma fotógrafa de sucesso, ganhava a vida fotografando famosos de todo mundo –
mas não saíra de Bolton também, amava a cidade com todas e cada fibra de seu
ser.
Bruno era melhor amigo de Ana, Ana era melhor
amiga de Bruno. Ana tinha um noivo, um executivo de sucesso, que vivia de
Londres pra Bolton, de Bolton pra Londres. Já Bruno sabia: por mais que
tentasse achar alguém igual à Ana, não conseguiria. Só ela seria o amor da sua
vida, que ele amava excepcionalmente. Nunca iria mudar.
Ana
iria passar algum tempo fora da cidade, iria para a capital, fotografar uma banda
inglesa. Iria dirigindo à Londres – depois de tanto custo para tirar a carteira
de motorista, agora queria mostrar ao mundo que tinha um carro e sabia guia-lo.
Um carro. Dia chuvoso. Pista dupla.
Um caminhão. Visão confundida. Bebida em excesso. No que isso poderia resultar?
Não em uma coisa muito boa, com certeza. O caminhão bateu de frente com o carro
de Ana. Ela não estava muito longe de Bolton, portanto ela foi levada para um
hospital na cidade. O seu noivo, por sorte, estava em Bolton. Foi avisado,
depois os pais, Marcela. E por ultimo, Bruno.
Ele se apressou em chegar ao hospital que Ana
estava internada. Ele chegou antes mesmo de Felipe, noivo da garota. Bruno
andou por corredores com luzes fluorescentes fracas, brancas, o que aumentava a
aflição dele.Como estaria Ana? A SUA Ana? Ele nunca imaginou
nada de mal acontecendo à SUA Ana. Ela sempre seria dele, amiga ou namorada.
Seria dele.Achou o quarto em questão, 842. Abriu a porta com cautela, e viu a
imagem mais horrível que jamais poderia ter imaginado: Ana, sua Ana, deitada em
uma cama de hospital, com ferimentos por todo o rosto e braços – as únicas
partes de seu corpo que estavam aparentes. Ele chorou. Não queria ver a pessoa
que ele mais amava em todo o universo daquele estado. ‘Frase clichê’, pensou,
‘mas porque não eu?’. As lágrimas caiam com força. Ele saiu do quarto com a
visão embaçada pelas lágrimas; não sabia o que podia fazer.Ele foi para o lugar
do hospital em que se era permitido fumar, e fez uma coisa que não fazia desde
que tinha conhecido Ana: acendeu um cigarro. Começou a fumar, e ficou sozinho
lá, encarando a parede. Imaginando se teria sido diferente se ele tivesse
continuado em Londres
Ah, cara... – Ana chegou se lamentando.
- Que foi, Any? – Bruno sorriu.
- Eu tenho que escolher o que eu vou fazer da
vida, mas... É difícil demais!
- Eu sei bem como é... Porque não tenta
fotografia? – Bruno apontou para a máquina digital, que agora estava nas mãos
da garota. – Eu sei que você adora tirar fotos.
- Bruno, sabia que você é um GÊNIO? – Ana sorriu e
abraçou o melhor amigo. SEU melhor amigo.
Se ele não tivesse sugerido o curso, Ana não
estaria no hospital à essa hora. Os pensamentos profundos do garoto foram
cortados quando a porta se abriu, fazendo o garoto estremecer.
- Ah, que susto, doutor. – Bruno se virou.
- Desculpe. Você é Bruno, certo?
- Certo.
- Bom, você tem bastante contato com Ana, certo? –
Bruno balançou a cabeça positivamente. – Nesse caso, eu sinto muito. Para
sobreviver, a Ana precisaria de um coração novo. A lista de espera por um coração é grande, e não sei se
ela conseguirá sobreviver até chegar sua vez de receber um novo coração.
Como poderia viver em um mundo sem Ana?! Saiu do
lugar. Não podia esperar as coisas acontecerem, e ele ser egoísta e ficar em
seu mundo, fumando até Ana ir pra outro lugar. Ele pegou um papel, uma caneta e
escreveu um endereço, e um horário, uma hora depois daquilo. Entregou para o
noivo de Ana, que agora estava na sala de espera.
- Já foi vê-la? – Perguntou Bruno. O noivo negou
com a cabeça.
Ele saiu andando, saiu do hospital.
Foi para seu escritório, pegou 3 papéis grandes e digitou 3 cartas. Uma para os
pais. Uma para Ana. E uma sobre os desejos que tinha.Ele tomou um remédio
depois disso. E dormiu, lenta e serenamente, dormiu. Não acordaria mais. Quando
o noivo de Ana chegou, encontrou Bruno deitado no chão, sem pulso. Estava
morto. Em cima da mesa, 3 cartas. Um recado para ele: "Eu não gosto de
você. Nunca vou gostar. Mas mesmo assim, você tem que fazer algo que não
poderei fazer. Leve meu corpo para o hospital, com essa carta em cima dele. A
carta que está em cima das outras. Após
isso, entregue a segunda carta para Ana quando ela acordar. E quando a noticia
da minha morte chegar, entregue a terceira para os meus pais." Assim acabava a carta. Felipe não acreditava no que lia.
Não acreditou, e nem precisava. Correu para o hospital em seu carro. Ele
entregou a carta e o corpo do homem, que agora estava ainda mais branco.
Aconteceu na hora; o coração dele foi tirado e levado para Ana. Quando ela
acordou, não muito depois, viu os pais dela, seu noivo e os pais do namorado de
6 anos atrás. Eles sorriam e choravam; ela não entendeu. Foi quando viu a carta
com a letra dele, escrito o nome dela. Ela pegou a carta e leu, então. "Meu
amor, bom dia. É hora de acordar. Eu não pude te ligar hoje, você estava
ocupada. Por isso deixei essa carta. Sabe, eu não vou estar ai por um bom
tempo, as pessoas sabem quando a sua hora chega. E eu aceitei a minha com a
mesma felicidade que eu tinha quando te vi na frente da sua escola. A
minha hora chegou quando seu fim estava próximo. Eu te prometi que te
protegeria de tudo e qualquer coisa que acontecesse, e mesmo sem chamar, eu
estive lá. Desta vez não me chamou, quis resolver sozinha, eu não podia deixar.
Eu resolvi dar um fim então. Eu estava ficando cansado, o trabalho pesava
demais. Mas porque agora? Eu não sei. Mas não teria sentido eu viver em um
mundo que você não existe. Então eu decidi ir antes e ajeitar as coisas. Pra
daqui a alguns anos nós conversarmos aqui na minha nova casa. Agora eu tenho
que ir, meu amor. Esse coração no teu peito, esse coração que bate no teu
peito. É o mesmo coração que está inundado do amor que você disse não ser o
suficiente. É o mesmo coração que lhe dava amor todo dia. Por favor, cuide bem
dele. Agora eu preciso ir, preciso descansar um pouco. Eu vou estar sempre
contigo. Eu
te amo ! PS: Não sei se vou conseguir
te acordar amanhã. Você me perdoa por isso?" Então ela chorou. Chorou e abraçou os pais, os pais
dele. Chorou como nunca, e tremia por tantas emoções passarem por seu corpo.
Ana encarou o noivo. Terminou o noivado naquele dia. Não adiantava esconder
algo que estava na cara: ela amava Bruno, e seria sempre o SEU Bruno.
ELE era o homem de sua vida, não Felipe. O homem que sempre esteve lá,
amando-a ao máximo. Em qualquer momento. Ela chorou muito, e seguiu a vida. Todos os dias ela
lembrava de Bruno. Viver em um mundo sem ele não fazia sentido. Mas não
desperdiçaria todo o amor e que estava dentro dela. Ela podia sentir seu
coração batendo. Ela lembrava a cada momento, que mesmo separados eles estavam
juntos. Mas apenas uma coisa fazia seu coração se apertar, se contorcer de dor.
Que fazia uma lágrima se escorrer sempre que pensava nisso. Ela sentia falta daqueles beijos. Dos beijos que foram
negados. Mas ela foi feliz. Morreu com seus oitenta e tantos anos. Mas era
sempre feliz. Afinal:
O coração do homem de sua vida batia dentro dela.